Reflexões sobre Divertida Mente 2 (por Paul Ekman)

* Abaixo tradução livre da publicação “Reflections on Inside Out 2”, publicado no site de Paul Ekman e disponível pelo link: https://www.paulekman.com/blog/reflections-on-inside-out-2

 

Navegando pela tempestade emocional da adolescência

(reprodução/paulekman.com)

Tive o privilégio de servir como consultor científico do primeiro filme Divertida Mente e o prazer de ver a sequência na semana passada, junto com a família e amigos. Depois que o primeiro filme foi lançado, escrevi um Guia para os pais e, depois de curtir a sequência, me inspirei a escrever algumas reflexões.

A sequência de Divertida Mente inclui os mesmos personagens emocionais (alegria, tristeza, raiva, nojo e medo) que conhecemos na primeira produção, com a adição de alguns novos personagens conforme Riley entra na puberdade.

Entrando na adolescência

O início da adolescência é retratado no filme por uma equipe de demolição. Embora essa metáfora humorística capture as mudanças ousadas e às vezes imprevisíveis que ocorrem na puberdade, também é importante notar que a adolescência não “destrói” as estruturas emocionais no lugar da infância, embora certamente adicione camadas de complexidade e desenvolvimento emocional para adolescentes.

Novos personagens emocionais

As novas emoções que aparecem são: ansiedade, constrangimento, inveja e tédio. Também temos um gostinho da nostalgia, embora a piada recorrente seja que ainda não é hora dela aparecer.

Ansiedade

Em Divertida Mente 2, a adição da ansiedade desempenha um papel importante como personagem-chave no filme, e é introduzida como uma espécie de personagem “companheira” do medo. Há uma fala no filme reconhecendo as semelhanças entre os personagens, na qual a ansiedade explica que o papel do medo é proteger Riley dos perigos que são vistos, e que o papel da ansiedade é proteger Riley dos perigos que não são vistos. A ansiedade se concentra em projeções futuras de possíveis fracassos, na tentativa de preparar e orientar Riley na direção do sucesso e da realização. Embora muitos cientistas da emoção (inclusive eu) não distinguissem a ansiedade como uma emoção separada da família maior de emoções baseadas no medo, criar um novo personagem destacando a ansiedade acrescenta ao enredo e às lições do filme.

Encontrar maneiras de abraçar e moderar a ansiedade, em vez de deixá-la apenas “comandar o show”, fornece um clímax e um desfecho poderosos para a história. Com o aumento significativo de ansiedade e depressão entre adolescentes, o caráter da ansiedade fornece uma janela para o intenso período de autoconsciência e desejo de ser incluído na adolescência, que sustenta todas as maquinações da ansiedade para controle. Enquanto no filme vemos isso se desenrolar em amizades em tempo real, a vida social de muitos adolescentes é amplamente vivida online. Podemos sentir a mesma intensidade de emoções quando estamos preocupados com nossas conexões sociais pessoalmente ou online.

Constrangimento

O constrangimento aparece nos momentos de autoconsciência recém-aumentada, muitas vezes associada à adolescência. O constrangimento se desenvolve à medida que nos tornamos mais conscientes de nossas normas e expectativas sociais cada vez mais complexas e tentamos encontrar nossas maneiras de “nos encaixar” nelas. Esse processo é frequentemente destacado durante a adolescência, um período de desenvolvimento marcado por um crescente senso de formação de identidade. Curiosamente, o constrangimento também exibe mais empatia e compreensão pelas emoções exiladas, pois um constrangimento “autoconsciente” está intimamente ligado à nossa impressão dos outros ao nosso redor. Embora não esteja cientificamente ligado à empatia, o constrangimento mostra uma maior tomada de perspectiva do que o resto das emoções da puberdade recém-ingressadas.

Inveja

A inveja também desempenha um papel importante no desenvolvimento de um “senso de si mesmo” e “senso de lugar” dentro das estruturas sociais, pois a personagem reflete sobre as qualidades e características dos outros vistos como valiosos e desejáveis ​​e tenta posicionar Riley de forma vantajosa. A inveja é mostrada conectada ao desprezo. É a comparação ascendente/inflada de outro como melhor ou tendo mais, em vez de nojo, que é uma comparação descendente/decrescente de outro ser tóxico. Poderia ter sido significativo considerar o desprezo, que é onde nossos julgamentos sociais negativos geralmente residem. O desprezo é um sentimento de superioridade em relação aos outros, um julgamento de ser melhor ou “acima”. O desprezo e a inveja são provavelmente emoções intensificadas pelas mídias sociais, o que cria uma plataforma perfeita para a comparação ascendente e descendente persistente com amigos e estranhos.

Tédio

Tédio é uma adição interessante, pois também não é considerado uma emoção distinta por muitos cientistas da emoção, embora o valor agregado ao enredo seja claro. Tédio (ennui) é uma palavra francesa usada para descrever cansaço, insatisfação ou tédio – estados que são frequentemente vivenciados por adolescentes e, às vezes, confusos ou frustrantes para seus pais. A personagem fornece vários momentos de humor ao longo do filme, enquanto Riley oscila entre momentos ansiosos de supercompensação e momentos de tédio ao tentar “jogar de boa”. Tédio tem laços óbvios com desprezo, descrito acima, que muitas vezes senti ser uma emoção muito adolescente. Muitos adolescentes sentem uma sensação de superioridade fulminante em relação aos pais, o que pode levar ao comportamento de tédio (“no one understands and I can’t be bothered”) visto no filme.

Senso de si

O filme também explora a expansão das crenças centrais e do senso de si, refletindo a crescente complexidade da formação da identidade e da autorreflexão, essenciais nos estágios de desenvolvimento da adolescência e da idade adulta. Assim como no primeiro filme, há um retrato significativo, embora cientificamente impreciso, do que às vezes é chamado em psicoterapia de nosso “modelo de trabalho interno” do eu. A Alegria, como no primeiro filme, está tentando selecionar seletivamente as memórias e ideias que constituem quem Riley é, para ser apenas o lado positivo de si mesma. Ansiedade acha essa visão “totalmente positiva” ingênua e irremediavelmente sem graça, um veneno social para Riley que está entrando no ensino médio. Ansiedade tenta criar um novo modelo de trabalho socialmente inteligente, mas é muito egocêntrica e se torna agressiva. Alegria e Ansiedade falham quando tentam selecionar excessivamente um senso de si. Todos nós (nossos momentos mais carismáticos, empáticos, bem como irritantes e constrangedores) fazemos parte de uma compreensão narrativa contínua da totalidade de quem somos..

Mais para explorar

Espero que o Inside Out 3 possa incluir compaixão. Embora não seja exatamente uma emoção, é uma estratégia significativa para abraçarmos mais completamente todas as nossas emoções. Meditações de compaixão com nossas emoções difíceis podem nos ajudar a ver que TODOS nós estamos no mesmo barco quando se trata de nossas emoções difíceis – e que podemos ser a presença amorosa amigável que oferecemos aos outros quando nos sentimos estressados, tristes ou sobrecarregados. Cultivando o equilíbrio emocional, um treinamento que cocriei com Alan Wallace e que foi liderado por minha filha Eve Ekman, é outro recurso para aprofundar nossa compreensão das emoções por meio do mapeamento da experiência emocional individual e da aplicação da atenção plena à nossa experiência. Algumas dessas ferramentas também estão disponíveis no site Atlas of Emotion.

No geral, foi uma alegria assistir e sentir junto com Divertida Mente 2.

Se você ainda não viu, confira o original A Parents’ Guide to Disney-Pixar’s Inside Out.

 

* texto traduzido pelo CICEM sobre o texto original publicado em: Reflections on Inside Out 2 – Paul Ekman Group

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