O FACS e as Faces da Depressão: é possível codificar o suicídio?

Setembro Amarelo passou, mas nunca é demais abordar a questão do suicídio e suas implicações. Particularmente, fui motivado a escrever esse texto pois, nessa semana, vi uma foto compartilhada de uma pessoa desesperada para com o irmão que havia desaparecido. Sem muitas informações, a face da foto e, principalmente, a expressão facial, me chamava muita a atenção. No dia a seguinte, foi revelado que o jovem havia cometido o suicídio. Uma vez que existem conhecimentos e ferramentas científicas (que não são tão complexas, estão ao alcance das pessoas e vêm de encontro à uma necessidade social), devemos divulgá-las e utilizá-las com a finalidade de promover análises e intervenções positivas em nosso meio, sobretudo porque o foco nos aspectos não-verbais do sujeito em ambiente clínico ocupa cerca de 60%-65% de sua comunicação total, mas ainda é um aspecto periférico de observação (Foley & Gentile, 2010). É sobre esses tipos de possibilidades que o seguinte texto busca tratar.

Aplicações clínicas do FACS

Hoje vamos explanar sobre algumas formas de aplicação do Facial Action Coding System (FACS) (Ekman et al., 2002) em contexto clínico e em seus aportes diretos para com o diagnóstico e a manutenção da saúde mental. A nível de visão geral, e para o leitor não familiarizado com o método FACS, vale dizer que esse corresponde a um conjunto de informações e procedimentos que permitem analisar e mensurar qualquer expressão facial em seres humanos. Em resumo, esse método foi publicado em 1978 e conta com inúmeras pesquisas relatando suas possibilidades naquilo que diz respeito, por exemplo:

  • No auxílio à predição sobre o início e a remissão de quadros depressivos, esquizofrênicos, entre outras psicopatologias;
  • Na discriminação entre pacientes depressivos suicidas e não suicidas;
  • Na previsão da isquemia miocárdica transitória em pacientes com a doença arterial coronariana;
  • Na identificação dos padrões faciais envolvidos na intoxicação por álcool;
  • No auxílio de diagnósticos e no tratamento de distúrbios sociais;
  • Na compreensão de aspectos emocionais da psicopatia;
  • Na análise e mensuração de uma face de dor real e posada;
  • Na identificação e reconhecimento de microexpressões emocionais;
  • Como ferramenta de insights em processos de aconselhamento e psicoterapia;
  • No auxílio da verificação de congruência/incongruência em exames do estado mental;
  • Entre outros.

A mensuração da expressão facial já se mostrou útil para o diagnóstico, prevendo a melhora e medindo a resposta ao tratamento, conforme aponta Bartlett et al. (2005); e a nível de exemplo, vale dizer também que a presença da emoção básica desprezo expressa uma diferença qualitativa entre a depressão maior e a depressão com ideações suicidas, conforma revela Heller & Haynal (1994).

A Depressão e o Suicídio

comportamento depressivo análise

(Imagem: CC0)

Resumidamente, o Transtorno Depressivo é um distúrbio mental estudado, principalmente, pela Psicologia e Psiquiatria. É considerado um Transtorno do Humor (como o Episódio Maníaco ou o Transtorno Afetivo Bipolar, por exemplo) e ocupa as classificações F32 e F33 no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças). A depressão é um quadro clínico comumente associado ao comportamento de suicídio, todavia, é importante dizer que segundo Richards & O’Hara (2014) entre 2% e 7% dos adultos com depressão morrem de suicídio; e cerca de 60% das pessoas que se suicidaram apresentavam algum tipo de Transtorno do Humor, de acordo com Lynch & Duval (2010).

Esse transtorno é, geralmente, acompanhado por sintomas e sensações como:

  • perda da motivação e sensação de fadiga (cansaço);
  • perda das sensações prazerosas;
  • perda de interesse em atividades e relacionamentos;
  • alterações no sono e alimentação;
  • humor deprimido.

O Corpo Deprimido

A nível do corpo, é possível ver o sinais da depressão se revelando em agitação ou restrição psicomotora; disforia e lacrimejamento/tendência às lágrimas (Foley & Gentile, 2010). Quem conhece o estudo dos gestos das mãos na comunicação não-verbal, pode perceber a diminuição dos gestos ilustradores em pacientes deprimidos e observar também a postura corporal que costuma ser mais curvada e cabisbaixa; há também alterações na paraliguagem (voz) que costumam se manifestar como fala mais lenta, mais grave e mais “baixa” (menos intensa/menor volume); a nível da face, a expressividade facial pode estar diminuída, podem ser exibidos sorrisos sem os marcadores faciais correspondentes à felicidade (not felt happiness), há propensão maior em exibição de raiva e desprezo (Berenbaum & Nisenson, 2005) e foi constatado que a exibição de desprezo pode ser um preditor negativo de melhora (Ekman et al, 2005).

Lembro-me agora dos relatos de luto, onde não é raro ouvir o “impressionamento” relatado pelos pares de alguém que se suicidou, por meio de expressões como: “mas ele nunca deu sinal” ou “estava sempre sorrindo”, entre outros exemplos. Realmente, não é fácil, principalmente para pessoas sem treinamento em saúde mental, perceberem os sinais que um suicida emite. Vale dizer que as microexpressões faciais foram descobertas por meio da análise em câmera lenta (e quadro a quadro) de sessões gravadas de psicoterapia, onde buscou-se estudar os aspectos não-verbais da comunicação terapeuta-paciente (Haggard & Isaacs, 1966).

“Durante essas explorações, por exemplo, notamos que ocasionalmente a expressão no rosto do paciente mudava dramaticamente dentro de três a cinco quadros de filme (de sorriso, para careta, para sorriso), o que equivale a um período de 1/8 a 1/5 segundo”.

(Haggar & Isaacs, 1966, p. 154, tradução livre de Caio Ferreira)

Desde 1966 os autores apontam a necessidade em treinar as pessoas para perceberem aquilo que provavelmente passará despercebido sem a devida teoria e prática específica.

Alguns fenômenos abordados ao longo desse texto podem ser exemplificados no vídeo que viralizou com as últimas imagens de Chester Bennington (vocalista do Linkin Park) antes de cometer o suicídio. Nas imagens, é possível vê-lo, aparentemente bem e se divertindo com seus pares, todavia, a análise laboratorial revela muitos marcadores faciais que não correspondem à alegria. (É a apenas um vídeo curto e esse não tem nada a ver com o processo de psicodiagnóstico, mas serve para exemplificar alguns elementos que fazem parte da metodologia e rigor científicos seguidos na mensuração do comportamento facial)

Nas imagens, são demonstrados dados obtidos por meio do OpenFace 2.5 – software de reconhecimento automático da expressão facial da emoção – como, por exemplo, detecção da face, Action Units (AUs), alteração de aparência, posição de olhos e orientação da cabeça.

Referências consultadas

Bartlett, M. S.; Movellan, J. R.; Littlewort, G.; Braathen, B.; Frank, M. G.; Sejnowski, T. J. Toward Automatic Recognition of Spontaneous Facial Actions. (2005). in Paul Ekman & Erika L. Rosenberg (Eds.). What the face reaveals: basic and applied studies of spontaneous expression using the facial action coding system (FACS), (pp. 393-412). New York: Oxford University Press, Inc.

Berenbaum, H. & Nisenson, L. (2005). Emotion, facial expression, and psychopatology. in Paul Ekman & Erika L. Rosenberg (Eds.). What the face reaveals: basic and applied studies of spontaneous expression using the facial action coding system (FACS), (pp. 456-468). New York: Oxford University Press, Inc.

Ekman, P. & Rosenberg, E. L. (Eds.). (2005). What the face reveals: basic and applied studies of spontaneous expression using the facial action coding system (FACS) (2nd ed.) New York: Oxford University Press, Inc.

Ekman, P.; Friesen, W. V.; & Hager, J. C. (2002). The Facial Action Coding System. (2nd ed.) Salt Lake City, UT: research Nexus ebook.

Ekman, P. Matsumoto, D. & Friesen, W. V. (2005). Facial expression in affective disorder. in Paul Ekman & Erika L. Rosenberg (Eds.). What the face reaveals: basic and applied studies of spontaneous expression using the facial action coding system (FACS), (pp. 429-439). New York: Oxford University Press, Inc.

Foley, G. N. & Gentile, J. P. (2010). Nonverbal communication in psychoterapy. Psychiatry (Edgemont) 2010;7(6):38–44

Haggard, E. A., & Isaacs, K. S. (1966). Micro-momentary facial expressions as indicators of ego mechanisms in psychotherapy. in l. A. Gottschalk & A. H. Auerbach (eds.), Methods of research in psychotherapy (pp. 154-165). New York: Appleton-Century-Crofts.

Heller, M., & Haynal, V. (1994). The faces of suicidal depression (translation). [Les visages de la depression de suicide]. Kahiers Psychiatriques Genevois. in Medecine & Hygiene (Eds.). (V. 16, pp. 107–117).

Lynch, V. A. & Duval, J. B. (2010). Forensic Nursing Science. Elsevier Health Sciences. ISBN 0323066380.

Richards, C. S. & O’Hara, M. W. (2014). The Oxford handbook of depression and comorbidity. New York: Oxford University Press.  ISBN 9780199797042.

Por Caio Ferreira

Para saber mais

Por um mundo mais emocional!

comunicação não-verbal linguagem corporal

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *